31 de agosto de 2013

Imprensa: Maysa, a que sabe das coisas - Jornal do Brasil, 1970


Maysa, a que sabe das coisas


Macksen Luiz · Foto de Alberto Jacob

Mudar faz parte da personalidade de Maysa. No momento está rompendo com muita coisa para ser – mais uma vez – uma nova Maysa. Repórter de televisão, tem-se revelado muito sensível nesta função. Sabe onde está a notícia e faz questão de mostrá-la com uma ótica diferente, a da mensagem humana. Além disto lança um disco, que é a volta à Maysa das canções de fossa. Esta atividade toda agrada muito a ela, porque sua personalidade exige sempre ação e coisas novas.

O cenário não poderia ser mais propício. Uma sala de maquilagem de televisão. Gente saindo e entrando a toda hora, muito barulho e cada pessoa fazendo duas coisas ao mesmo tempo. Foi neste clima que Maysa deu a entrevista. Para ela tudo aquilo além de ser natural, estava próximo da sua personalidade, irrequieta e insatisfeita (às vezes também barulhenta). Mais natural ainda, agora, quando Maysa não tem tempo nem para um simples descanso. No dia da entrevista – marcada para as 18:30 – enquanto se deixava maquiar, falava, para logo depois – às 20:00 – cantar e sair apressada para o aeroporto, pois a esperavam em São Paulo – à meia-noite. Este corre-corre todo é porque Maysa, de repente, além de ser notícia, resolveu ir a sua procura. É repórter na televisão Record onde tem um programa semanal, Dia D, de entrevistas e reportagens. Paralelamente lança um disco, que precisa ser divulgado e ouvido. Maysa acredita muito na sua qualidade e gostaria de que o público o entendesse. Como ela mesma diz, é um disco em que volta às origens.

Para quem espera encontrar uma pessoa irritada e agressiva, Maysa decepciona. Simpática e atenciosa, no entanto não esconde sua forte personalidade. Não gosta de gente pouco inteligente, e isto declara para qualquer um. Sabe o que quer e diz. Com liberdade.
-         Fazer jornalismo é um velho sonho. Na verdade gostaria mesmo de ser atriz. E de certa forma já sou. Cantando estou também representando. Mas espero um dia ser atriz de texto. Por enquanto estou muito satisfeita com o Dia D. acabei de chegar de Portugal onde fiz uma reportagem sobre o funeral de Salazar. O que desejei transmitir com esta reportagem – praticamente a primeira que realizei no exterior – foi (e por mais estranho que isto pareça) dar uma mensagem de vida. Não sei explicar muito bem. Só assistindo para compreender. Acredito que isto tenha sido a melhor coisa que já fiz, não importa o que achem as pessoas. Fiquei muito satisfeita com o resultado. Pude dormir contente e feliz.

Já na próxima semana Maysa tem programada outra viagem. Agora para os Estados Unidos. Sempre dentro do mesmo esquema: muita imagem, poucas palavras e uma mensagem. Maysa procura esta mensagem onde ela acredita existir vida, em qualquer de suas manifestações. Em Nova Iorque pretende mostrar uma rua, numa tarde de domingo – “quando é proibida a venda de bebida alcoólica – deserta. É aí que Maysa encontra a sua função de repórter”.
-         Com símbolos e lirismo quero mostrar um pouco da vida às pessoas. A mensagem final é sempre a do amor. O que as pessoas estão vendo no aparelho de televisão, nem sempre precisa de palavras. Não é necessário que ninguém diga nada. Existe e pronto.

O PRAZER DE MUDAR


 De repente jornalista. Maysa é uma artista (e mulher) de grandes mudanças. Passou por várias, sem perder as características.
-         As mudanças porque passo não são tanto minhas, mas muito mais de quem me vê. Sou muito coerente comigo mesma. Todas as mudanças – de idade, gente, música, forma de pensar – pesam muito na minha personalidade, sem muda-la basicamente. Descobri que no fundo o melhor é descobrir.

Uma frase de Dylan Thomas – “Ando só numa multidão de amores” – serve de título ao último disco de Maysa. A frase tem, realmente, muito a ver com ela. Angustiada, como confessa abertamente, usa esta palavra a todo o momento. O significado de angústia para Maysa é um pouco diferente do que é para a maioria das pessoas. A angústia de Maysa pode ser o momento um pouco antes de entrar em cena. Também a liberdade de poder fazer alguma coisa e não querer. Ainda, como ela mesma diz, “a burrice das pessoas.”
-         Não dá para explicar muito a angústia. O remédio contra ela, deste eu sei muito bem. É um bom uísque de vez em quando, ou melhor, um bom pileque de vez em quando.

Quando começou a cantar, a proibiam. Agora todos aprovam. Talvez por isso Maysa seja uma cantora. Faz o contrário do que a maioria deseja. Desafia – “amo ser desafiada” – apesar de ter medo. Há dois anos, quando voltou de um longo retiro na Europa, estava ao mesmo tempo, querendo desafiar e tendo medo. Foi cantar no Canecão, onde nenhum grande cantor tinha ainda se atrevido a ir.
-         Ao sair do Brasil estava cheia de medo. Não do público, mas da imprensa. Naquela época, a imprensa era quase toda formada por pessoas decentes. Eu própria ajudei a criar uma imagem negativa, devidamente consumida por certo tipo de imprensa. Na volta, senti uma das maiores emoções da vida, ao ver – apesar de todas as campanhas – que Ouça ainda existia para o público. Que Maysa ainda existia para o público do Brasil. A temporada do Canecão foi de três meses de alegria. Como se descobrissem que Maysa era a filha mais velha de uma época, e que apesar disto o pai gostava de mim. Todos nós sabemos que a preferência é sempre pelo mais jovem.

O público só começou a existir para Maysa nesta volta. Antes, o que queria cantar não dizia muito respeito à plateia que a ouvia. Mais consciente do seu valor, exige do público que a recompense com o aplauso. Merece-o, por isso o exige.
-         Cantar é uma doação total de mim mesma. esqueço tudo que está ao meu lado. O que acontece neste momento me pertence, passa a ser um problema meu. Logrei comunicar algo ao público, disto tenho certeza, por estes 13 anos de carreira. 

Dois boleros – Molambo e Yo Sin Ti – alguns sambas-canções – Chuvas de Verão, Três Lágrimas (Ary Barroso), Suas Mãos (Antônio Maria e Pernambuco) – músicas de Antônio Carlos Jobim feitas nos Estados Unidos – Bonita e As Praias Desertas – além de composições recentes – Que Eu Canse e Descanse (Marcos e Paulo Sérgio Valle) e Assim na Terra Como no Céu – fazem parte do disco mais recente de Maysa. Escolhida todas por ela, as canções só são gravadas por lhe dizer um pouco do que sente. Sem isto, nem cogita. Só grava o que gosta.
-         Este disco é um reencontro com a minha verdade. Ano passado gravei autores jovens num disco todo moderninho, que não me satisfez. Com este é diferente. Essencialmente romântico (como eu) tem um pouco de tudo. Até boleros, que amo e não tenho vergonha de confessar. Os arranjadores foram Roberto Menescal e Luiz Eça, os mesmos do Barquinho, um disco revolucionário há 10 anos e que agora – no momento certo – foi retomado.

Da autoria de Maysa, o disco tem duas faixas – Me Deixe Só e Resposta – ambas de parceria com Roberto Menescal. Maysa faz mais letras do que música, ainda que tenha feito também música ao compor Ouça, até hoje seu maior sucesso. Apesar da vida agitada, Maysa compõe.
-         Muita coisa é apenas poesia e está à espera de música. Sempre estou compondo, mas não tinha muita coragem de mostrar aos outros. Estava confusa, achando que minhas canções eram desatualizadas. Agora sei que, pelo contrário, estou muito mais atualizada que muita gente por aí. O Brasil está perdido musicalmente. Eu, não.

A preocupação de Maysa levar tudo até o fim acabe de dar-lhe a ideia de ser atriz, em um filme. Produtora, atriz (única), pretende fazer um longa metragem sem história. Um filme onde mostre e conte suas sensações e experiências. Um pouco do que faz em seu programa de televisão. A direção será do cinegrafista Laerte Rosa (também do Dia D) por quem Maysa tem grande admiração profissional. Com este filme, Maysa pretende reafirmar, mais uma vez, sua independência.
-         Não tenho a menor ideia se o público vai me compreender. Seria bom se compreendesse, mas se isto não acontecer, azar. O público que se dane.

(Reportagem publicada originalmente no JORNAL DO BRASIL, em 1970.)

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