Maysa, a que sabe das coisas
Macksen Luiz · Foto de Alberto Jacob
Mudar faz parte da personalidade de Maysa. No momento está
rompendo com muita coisa para ser – mais uma vez – uma nova Maysa. Repórter de
televisão, tem-se revelado muito sensível nesta função. Sabe onde está a
notícia e faz questão de mostrá-la com uma ótica diferente, a da mensagem
humana. Além disto lança um disco, que é a volta à Maysa das canções de fossa.
Esta atividade toda agrada muito a ela, porque sua personalidade exige sempre ação
e coisas novas.
O
cenário não poderia ser mais propício. Uma sala de maquilagem de televisão.
Gente saindo e entrando a toda hora, muito barulho e cada pessoa fazendo duas
coisas ao mesmo tempo. Foi neste clima que Maysa deu a entrevista. Para ela
tudo aquilo além de ser natural, estava próximo da sua personalidade,
irrequieta e insatisfeita (às vezes também barulhenta). Mais natural ainda,
agora, quando Maysa não tem tempo nem para um simples descanso. No dia da
entrevista – marcada para as 18:30 – enquanto se deixava maquiar, falava, para
logo depois – às 20:00 – cantar e sair apressada para o aeroporto, pois a
esperavam em São Paulo – à meia-noite. Este corre-corre todo é porque Maysa, de
repente, além de ser notícia, resolveu ir a sua procura. É repórter na
televisão Record onde tem um programa semanal, Dia D, de entrevistas e reportagens. Paralelamente lança um disco,
que precisa ser divulgado e ouvido. Maysa acredita muito na sua qualidade e
gostaria de que o público o entendesse. Como ela mesma diz, é um disco em que
volta às origens.
Para
quem espera encontrar uma pessoa irritada e agressiva, Maysa decepciona.
Simpática e atenciosa, no entanto não esconde sua forte personalidade. Não
gosta de gente pouco inteligente, e isto declara para qualquer um. Sabe o que
quer e diz. Com liberdade.
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Fazer
jornalismo é um velho sonho. Na verdade gostaria mesmo de ser atriz. E de certa
forma já sou. Cantando estou também representando. Mas espero um dia ser atriz
de texto. Por enquanto estou muito satisfeita com o Dia D. acabei de chegar de Portugal onde fiz uma reportagem sobre o
funeral de Salazar. O que desejei transmitir com esta reportagem – praticamente
a primeira que realizei no exterior – foi (e por mais estranho que isto pareça)
dar uma mensagem de vida. Não sei explicar muito bem. Só assistindo para
compreender. Acredito que isto tenha sido a melhor coisa que já fiz, não
importa o que achem as pessoas. Fiquei muito satisfeita com o resultado. Pude
dormir contente e feliz.
Já
na próxima semana Maysa tem programada outra viagem. Agora para os Estados
Unidos. Sempre dentro do mesmo esquema: muita imagem, poucas palavras e uma
mensagem. Maysa procura esta mensagem onde ela acredita existir vida, em
qualquer de suas manifestações. Em Nova Iorque pretende mostrar uma rua, numa
tarde de domingo – “quando é proibida a venda de bebida alcoólica – deserta. É
aí que Maysa encontra a sua função de repórter”.
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Com
símbolos e lirismo quero mostrar um pouco da vida às pessoas. A mensagem final
é sempre a do amor. O que as pessoas estão vendo no aparelho de televisão, nem
sempre precisa de palavras. Não é necessário que ninguém diga nada. Existe e
pronto.
O PRAZER DE MUDAR
De repente jornalista. Maysa é uma artista (e
mulher) de grandes mudanças. Passou por várias, sem perder as características.
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As
mudanças porque passo não são tanto minhas, mas muito mais de quem me vê. Sou
muito coerente comigo mesma. Todas as mudanças – de idade, gente, música, forma
de pensar – pesam muito na minha personalidade, sem muda-la basicamente.
Descobri que no fundo o melhor é descobrir.
Uma
frase de Dylan Thomas – “Ando só numa multidão de amores” – serve de título ao
último disco de Maysa. A frase tem, realmente, muito a ver com ela. Angustiada,
como confessa abertamente, usa esta palavra a todo o momento. O significado de
angústia para Maysa é um pouco diferente do que é para a maioria das pessoas. A
angústia de Maysa pode ser o momento um pouco antes de entrar em cena. Também a
liberdade de poder fazer alguma coisa e não querer. Ainda, como ela mesma diz,
“a burrice das pessoas.”
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Não
dá para explicar muito a angústia. O remédio contra ela, deste eu sei muito
bem. É um bom uísque de vez em quando, ou melhor, um bom pileque de vez em
quando.
Quando
começou a cantar, a proibiam. Agora todos aprovam. Talvez por isso Maysa seja
uma cantora. Faz o contrário do que a maioria deseja. Desafia – “amo ser
desafiada” – apesar de ter medo. Há dois anos, quando voltou de um longo retiro
na Europa, estava ao mesmo tempo, querendo desafiar e tendo medo. Foi cantar no
Canecão, onde nenhum grande cantor tinha ainda se atrevido a ir.
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Ao
sair do Brasil estava cheia de medo. Não do público, mas da imprensa. Naquela
época, a imprensa era quase toda formada por pessoas decentes. Eu própria
ajudei a criar uma imagem negativa, devidamente consumida por certo tipo de
imprensa. Na volta, senti uma das maiores emoções da vida, ao ver – apesar de
todas as campanhas – que Ouça ainda existia para o público. Que Maysa ainda
existia para o público do Brasil. A temporada do Canecão foi de três meses de
alegria. Como se descobrissem que Maysa era a filha mais velha de uma época, e
que apesar disto o pai gostava de mim. Todos nós sabemos que a preferência é
sempre pelo mais jovem.
O
público só começou a existir para Maysa nesta volta. Antes, o que queria cantar
não dizia muito respeito à plateia que a ouvia. Mais consciente do seu valor,
exige do público que a recompense com o aplauso. Merece-o, por isso o exige.
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Cantar
é uma doação total de mim mesma. esqueço tudo que está ao meu lado. O que
acontece neste momento me pertence, passa a ser um problema meu. Logrei
comunicar algo ao público, disto tenho certeza, por estes 13 anos de carreira.
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Este
disco é um reencontro com a minha verdade. Ano passado gravei autores jovens
num disco todo moderninho, que não me satisfez. Com este é diferente.
Essencialmente romântico (como eu) tem um pouco de tudo. Até boleros, que amo e
não tenho vergonha de confessar. Os arranjadores foram Roberto Menescal e Luiz
Eça, os mesmos do Barquinho, um disco revolucionário há 10 anos e que agora –
no momento certo – foi retomado.
Da
autoria de Maysa, o disco tem duas faixas – Me
Deixe Só e Resposta – ambas de
parceria com Roberto Menescal. Maysa faz mais letras do que música, ainda que
tenha feito também música ao compor Ouça, até hoje seu maior sucesso. Apesar da
vida agitada, Maysa compõe.
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Muita
coisa é apenas poesia e está à espera de música. Sempre estou compondo, mas não
tinha muita coragem de mostrar aos outros. Estava confusa, achando que minhas
canções eram desatualizadas. Agora sei que, pelo contrário, estou muito mais
atualizada que muita gente por aí. O Brasil está perdido musicalmente. Eu, não.
A
preocupação de Maysa levar tudo até o fim acabe de dar-lhe a ideia de ser
atriz, em um filme. Produtora, atriz (única), pretende fazer um longa metragem
sem história. Um filme onde mostre e conte suas sensações e experiências. Um
pouco do que faz em seu programa de televisão. A direção será do cinegrafista
Laerte Rosa (também do Dia D) por
quem Maysa tem grande admiração profissional. Com este filme, Maysa pretende
reafirmar, mais uma vez, sua independência.
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Não
tenho a menor ideia se o público vai me compreender. Seria bom se
compreendesse, mas se isto não acontecer, azar. O público que se dane.
(Reportagem publicada originalmente no JORNAL DO BRASIL, em 1970.)
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